20.8.14

A Vítima da Festa

Pareceria cruel demais imaginar Caifás, sumo sacerdote, imolando o Deus-Homem no altar do holocausto e queimando suas carnes.
Mas não era isto mesmo que ele fazia todos os anos como sombra nas comemorações sucessivas da Páscoa?
Não era ele o representante máximo da “adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas”?
Não conhecia ele o exemplo santo da maior figura de um holocausto humano, o submisso Isaque?
Ele mesmo não havia profetizado um pouco antes que ‘convinha que um homem morresse pelo povo, e que não perecesse toda a nação’?
Ao invés de um sacrifício pacífico, pela fé, proposto por Deus, optou-se, em incredulidade, por um homicídio hediondo, perpetrado por homens ímpios. 
 Faremos um rápido comentário após um pequeno trecho compilado dos 4 Evangelhos em um só texto.
Para acessar o livro clique no link A Vítima da Festa
Para acessar a compilação completa dos Evangelhos, clique Do Verbo à blasfêmia dos fariseus

Jesus perante Pilatos e perante Herodes 

(Mt 27:11-31; Mc 15:2-20; Lc 23:2-25; Jo 18:28-19:16)

E foi Jesus apresentado ao presidente para a audiência. E era pela manhã cedo. E não entraram na audiência, para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa.
Então Pilatos saiu fora e disse-lhes: Que acusação trazeis contra este homem?
Responderam-lhe, e disseram-lhe: Se este não fosse mal feitor, não to entregaríamos.
Disse-lhes pois Pilatos: Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei.
Disseram-lhe então os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma. (Para que se cumprisse a palavra que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer). E começaram a acusá-lo, dizendo: Havemos achado este, pervertendo a nossa nação, proibindo dar o tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei.
Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e o interrogou dizendo: Tu és o rei dos Judeus?
Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim?
Pilatos respondeu: Porventura sou eu judeu? A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim: Que fizeste?
Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo: se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus: mas agora o meu reino não é daqui.
Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei?
Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade?
E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho culpa alguma neste homem.
E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos de muitas coisas, nada respondeu.
E Pilatos o interrogou outra vez, dizendo: Nada respondes? Não ouves quantos testificam contra ti?
E nem uma palavra mais respondeu, de sorte que o presidente estava muito maravilhado.
Mas eles insistiam cada vez mais, dizendo: Alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui.
Então Pilatos, ouvindo falar da Galileia, perguntou se aquele homem era galileu. E, sabendo que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém...
• • •
 Quando lemos os Evangelhos, referentes ao julgamento feito por Pilatos, de forma separada, deixamos, de um lado, escapar o verdadeiro esforço de Pilatos em soltar Jesus, e de outro, a manipulação, por parte dos líderes religiosos, em convencer a “multidão maldita que não sabe a lei” e o próprio Pilatos, de que Jesus era um criminoso. Tem-se a impressão de um jogo rápido, de um Pilatos inerte, descompromissado, alheio às necessidades do seu réu.
Mas não foi assim. Quanto mais os líderes acusavam Jesus, mais Pilatos o justificava, chegando a declarar sua inocência por seis vezes (acessível no texto compilado).
Os quatro textos, embora isoladamente pareçam do mesmo teor, desvendam uma sequência admirável quando confrontados mutuamente.
Além da sequência ser precisa quanto à continuidade das falas, e quanto às seis justificações de Pilatos, mantém um enredo sempre crescente e envolvente, com os judeus jogando com todas as armas disponíveis em seu arsenal diabólico, passando pelas mentiras, pela manipulação do povo contra Jesus ao incitá-los a pedir Barrabás, e posteriormente incitando-os novamente a que o crucificassem, e, por fim, constrangendo cinicamente a Pilatos, ao insinuarem sua deslealdade para com César.
Aqueles sacerdotes, “dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne”, corrompem, visível e despudoradamente, o “coração da lei”, persuadindo um gentio, “separado da comunidade de Israel, e entranho aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo”, resoluto da inocência do rei dos judeus, pois já havia “determinado que fosse solto”, a crucificar “o Santo e o Justo”, “o Príncipe da vida”, pedindo, em troca, “um homem homicida” (Rm 9.4-5 / Ef 2.12 / At 3.13-15).
Pilatos, numa artimanha ousada, atende parcialmente o pedido dos judeus soltando Barrabás. Mas não entrega Jesus para ser crucificado. Resolve castigá-lo, para depois soltá-lo. Pensou que se o povo o visse maltratado e ferido o esqueceriam. Manda até que eles mesmos o crucifiquem, diante de sua inocência.
Mas a consciência nebulosa de Pilatos foi barrada pela intervenção poderosa e cruel do nome de César. Como “a amizade do mundo é inimizade contra Deus”, “lavou as mãos diante da multidão”.
Não estou querendo, absolutamente, inocentar Pilatos, que tinha como obrigação áurea zelar pela justiça. Quero apenas lembrar que havia alguém em pior situação que a dele: Caifás, de quem Jesus fala: “aquele que me entregou a ti maior pecado tem”.
Pilatos foi, de longe, o menor dos inimigos do Senhor.

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